
Enviada ao Congresso Nacional pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, a PEC Emergencial (PEC 186) em sua versão original enunciava uma série de medidas de austeridade que atingiam sobretudo os servidores públicos, com a possibilidade de redução de salários e jornada em até 25%. Tão logo foi apresentado o relatório do senador Márcio Bittar (PSL-AC), estabelecendo a desvinculação dos fundos públicos ligados ao Fisco e também à saúde, à educação e ao meio ambiente, o Sindifisco Nacional iniciou um intenso trabalho parlamentar, com o objetivo de manter a vinculação de tributos às administrações tributárias. Na prática, o governo queria utilizar os recursos dos fundos constitucionais destinados às administrações tributárias, à saúde e à educação para outras finalidades e usava como pretexto a urgência na concessão do auxílio emergencial.
Em parceria com diversas entidades que representam os Fiscos nas esferas federal, estadual e municipal, as estratégias foram definidas e rapidamente implementadas, cabendo ao Sindifisco liderar um movimento nacional de Auditores-Fiscais contra a proposta, com forte apoio do deputado federal Celso Sabino (PSL-PA) e do ex-deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR). A desvinculação dos recursos poderia prejudicar ainda mais o já combalido orçamento da Receita Federal, afetando a fiscalização e o combate a crimes como sonegação, corrupção e lavagem de dinheiro, com repercussão nas políticas públicas do Estado, que passariam a contar com cada vez menos recursos.
Por causa do lockdown imposto pela pandemia, o acesso ao Congresso Nacional passou a ser restrito, e as sessões e votações passaram a ser realizadas virtualmente. Foi necessário, então, reconfigurar o trabalho parlamentar, utilizando a tecnologia para facilitar o contato com deputados e senadores. Uma das estratégias de combate à PEC 186 foi desenhada em conjunto com as Delegacias Sindicais, resultando na realização de reuniões telepresenciais com os congressistas, para apontar os efeitos nocivos da proposta ao serviço público em geral e à administração tributária em particular. A Direção Nacional também promoveu encontros virtuais com diversos parlamentares, como o vice-presidente da Câmara, Marcelo Ramos (PL-AM), líderes partidários como Alex Manente (Cidadania-SP), Vitor Hugo (PSL-GO), Wolney Queiroz (PDT-PE) e o próprio líder do governo, Ricardo Barros (PP-PR).
Paralelamente, a mobilização da classe ganhou força em âmbito nacional com a adesão de diversos Auditores-Fiscais delegados e superintendentes, que entenderam a gravidade imposta e passaram a reforçar os contatos com parlamentares em suas bases. O movimento teve repercussão nos principais veículos de comunicação do país, com destaque para a entrega das funções de chefias e cargos comissionados. Cerca de 220 Auditores em posição de chefia ameaçaram entregar os cargos, caso o texto da PEC fosse aprovado.
“Desde o seu nascedouro, a PEC 186 já representava uma ameaça enorme para todos os servidores, inclusive para os Auditores-Fiscais, porque previa o corte de 25% do salário com a equivalente redução de jornada. Essa proposta, juntamente com a PEC 187, que previa a extinção de diversos fundos, como o Fundaf, foi apresentada logo depois da promulgação da Reforma da Previdência. Ou seja, passamos o ano inteiro na luta, e ao fim tivemos que reagir a mais essa ameaça”, conta o diretor de Assuntos Parlamentares do Sindifisco Nacional, George Alex de Souza.
Durante a tramitação no Senado, o relator, senador Márcio Bittar, trouxe algo que o texto original não contemplava: a alteração do dispositivo que dava a possibilidade de vinculação de impostos para as áreas de saúde, educação e administração tributária, reconfigurando o Artigo 167, inciso V, da Constituição Federal. “Posteriormente, e devido a muita pressão, as áreas de saúde e educação voltaram a ser contempladas, deixando de fora somente as administrações tributárias. Por diversas vezes alertamos a administração da Receita para os prejuízos dessa medida, mas o texto acabou aprovado no Senado, deixando o Fisco de fora da vinculação constitucional”, relata George. “A sinalização era quase uníssona de que se tratava de uma matéria perdida e que não iríamos conseguir refrear os ímpetos do governo e do Parlamento”, completa.
A mobilização dos Auditores-Fiscais ante os riscos de asfixia da Receita teve repercussão nos bastidores do governo. No dia 9 de março, o Auditor-Fiscal José Barroso Tostes Neto, secretário especial do órgão, esteve com o ministro da Economia, Paulo Guedes, numa última tentativa de demover o Executivo de extinguir os fundos que financiam as atividades da administração tributária. A iniciativa, no entanto, não prosperou. A essa altura, era evidente o direcionamento, tanto do governo federal quanto da própria Câmara, para que o texto da PEC Emergencial não recebesse emendas e fosse votado sem alterações.
Um apoio fundamental nesta fase de tramitação veio do deputado federal Celso Sabino, que é Auditor Fiscal do Estado do Pará. Após reunião com a Direção Nacional, o parlamentar apresentou uma emenda supressiva, retirando a alteração proposta ao artigo 167, inciso IV, e mantendo a vinculação de receitas para a administração tributária. No entanto, não houve tempo hábil para a coleta das 171 assinaturas necessárias à apresentação do texto à Mesa Diretora. Além disso, Sabino orientou as entidades no sentido de buscarem a interlocução não somente com os líderes dos partidos, mas com os parlamentares nos estados. “E essa aproximação com os Fiscos estaduais e municipais foi crucial, porque, a partir desses contatos com deputados e deputadas nas suas bases, conseguimos virar o jogo”, detalha George.
A vitória veio através de um destaque apresentado pelo líder do PDT na Câmara, deputado Wolney Queiroz, que suprimia o dispositivo que proibia a vinculação constitucional de recursos dos fundos públicos para as administrações tributárias. O texto foi encaminhado graças à articulação do Sindifisco Nacional, na véspera da votação, junto aos deputados Mauro Benevides Filho (PDT-CE) e Wolney Queiroz. Para manter a desvinculação dos recursos, seriam necessários 308 votos. O governo conseguiu 302, o que configurou a sua primeira e única derrota durante a tramitação da PEC Emergencial. Foram registrados ainda 178 votos contrários e 4 abstenções.
“Muitos líderes encaminharam a posição a favor do texto, mas diversos deputados votaram contra o encaminhamento das suas lideranças. Foi uma grande vitória, porque todo mundo achava que era uma batalha impossível de ser vencida”, diz George Alex, para quem a atuação do Sindifisco Nacional, ao lado de outras entidades do Fisco, resultou numa vitória sem precedentes no âmbito legislativo para as administrações tributárias de todo o país.