
Assim que a Emenda Constitucional 103 foi promulgada, em novembro de 2019, instituindo novos parâmetros para a concessão de aposentadorias, o Sindifisco Nacional pôs em prática uma série de estratégias jurídicas para reaver direitos que foram usurpados a partir da vigência do que se convencionou chamar de “Reforma da Previdência”.
Para muitos especialistas no assunto, trata-se de um regramento carregado de pontos controversos e inconstitucionais, sobretudo quando se refere a temas como contribuição progressiva, regras transitórias e pensão por morte. Esses três temas são eixos de ações ordinárias de autoria do Sindifisco Nacional que tramitam em primeira instância. O patrono dessas ações é o professor e especialista em Direito Previdenciário Fábio Zambitte Ibrahim.
Além desse viés de atuação, a entidade ingressou no Supremo Tribunal Federal (STF) com vários pedidos para atuar como Amicus Curiae (amigo da Corte) em Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) que tramitam na Suprema Corte. Um desses pedidos foi deferido inicialmente na ADI nº 6258, proposta pela Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e que questiona a majoração das alíquotas de contribuição.
Atualmente, O Sindifisco Nacional participa de todas as ADIs propostas junto à Corte Suprema, na condição de Amicus Curiae. As ações estão sob a relatoria do Ministro Roberto Barroso e ainda não foram pautadas para julgamento do plenário. Como “amigo da Corte”, a entidade terá a possibilidade de fornecer subsídios jurídicos que contribuam para embasar a decisão dos ministros sobre a causa.
“A Direção Nacional tem dado toda a atenção a essa questão da Reforma da Previdência, não somente durante a tramitação da malfadada PEC que foi aprovada e promulgada como Emenda Constitucional nº 103, mas agora no enfrentamento judicial”, explica o presidente do Sindifisco Nacional, Kleber Cabral, que participou de debate online com centenas de Auditores-Fiscais para tratar da atuação da entidade junto aos tribunais no sentido de reverter pontos prejudiciais da reforma.
Alíquotas e Regras de Transição
Sobre a questão das alíquotas progressivas, Fábio Zambitte Ibrahim, que participou do mesmo debate, explica que não faz sentido a instituição desse mecanismo no âmbito previdenciário, que segue a dinâmica dos seguros sociais do século XIX. “Nesses casos, o custeio é dimensionado de acordo com a sinistralidade a ser coberta para aquele sistema protetivo, e isso não tem nada a ver com a capacidade contributiva de cada um”, detalha. “A questão é de razoabilidade e proporcionalidade, derivada de uma cláusula pétrea da Constituição”.
O advogado também afirma que a isonomia entre servidores foi outro ponto frontalmente atacado pela Reforma da Previdência. Para dimensionar essa realidade, ele cita o exemplo de dois Auditores-Fiscais, um que ingressou no serviço público nos anos 1990 e paga contribuição previdenciária sobre a sua remuneração integral, pela expectativa de conseguir o benefício integral; e um mais jovem, que vai contribuir somente sobre o teto do INSS, de cerca de R$ 6 mil.
“Para esse jovem, que vai pagar menos, sobra dinheiro para uma previdência complementar. Mas e o Auditor que está há 25 anos na carreira e não teve essa opção? É um tratamento flagrantemente anti-isonômico”, critica. “É certo que não há um direito adquirido em regime jurídico, ou seja, se a regra é alterada, é preciso se adequar a ela, o que não significa que essa transição não deva ser razoável. Aquelas pessoas já tinham expectativa de direito consolidada e precisam de um tratamento apartado”, defende.
Ainda sobre a falta de razoabilidade, Fábio Zambitte detalha os casos dos servidores que tinham pouco tempo de trabalho a cumprir para se aposentar e, com o advento da reforma, terão que trabalhar alguns anos a mais para obter o mesmo benefício. “O conceito de transição razoável é um conceito indeterminado, mas dizer que isso faz sentido, não faz. Ataquei muito essa questão da transição razoável, porque há um entendimento segundo o qual o servidor público é favorecido, privilegiado”.
Pensão por morte
A pensão por morte – também objeto de ação do Sindifisco Nacional – é outro ponto da Reforma da Previdência que chama a atenção pelo nível de incongruência evidenciado a partir das alterações estabelecidas. O benefício pode sofrer redução e chegar a até um terço do valor da remuneração do servidor. Sobre essa questão, Fábio Zambitte Ibrahim cita o caso de um servidor antigo que há 25 anos estava pagando contribuição sobre a remuneração integral e que guardava a expectativa de garantir a proteção de sua família.
“Não há mais essa garantia. E, novamente, cadê a transição razoável?”, questiona, lembrando que a pensão por morte já sofreu redução com a reforma de 2003 e com a promulgação da Emenda Constitucional 41. “Deveríamos ter um tratamento apartado entre faixas etárias ou pelo tempo de carreira, de forma que se faça a transição razoável desejada pela Constituição de 1988”, defende.
Papel do STF
O advogado explica ainda que, em qualquer modelo previdenciário estatal público, existe uma dinâmica de financiamento chamada pacto intergeracional, em que a geração mais jovem, apta ao trabalho, ajuda na manutenção do benefício da geração mais antiga. Com a Reforma da Previdência, esse pacto social foi colocado às avessas. “O mais idoso vai contribuir mais e por mais tempo para talvez preservar o benefício do mais jovem. Isso não faz sentido algum na lógica protetiva de qualquer sistema previdenciário. Se o STF olhar com zelo e cautela para esses pontos, haverá pelo menos alguma flexibilização nessas regras”.
Ao tratar dessas impropriedades da Reforma da Previdência, o presidente do Sindifisco, Kleber Cabral, lembra que, em todas as audiências públicas de que participa, sempre reforça que os servidores aderiram a um edital, a um chamamento do Estado, dentro de determinadas regras vigentes, mas que, passado algum tempo, o mesmo Estado passou a acusá-los de privilegiados. “Sabemos que é muito difícil defender que as regras não sofram mudança alguma, mas é válido demonstrar que as mudanças não foram razoáveis e que as regras de transição foram completamente aniquiladas. Essa é a nossa esperança de sensibilizar os ministros do STF”.
Jurídico ajuíza ação contra a revogação da isenção até o duplo teto do RGPS
A Diretoria Jurídico do Sindifisco Nacional ajuizou ação requerendo a declaração de inconstitucionalidade da revogação do disposto no § 21, do artigo 40, da Constituição Federal, que garantia aos servidores públicos isenção parcial no que se refere à contribuição ao sistema próprio de aposentadoria, limitada ao duplo teto do benefício do RGPS.
Para os beneficiários isentos do Imposto de Renda, a lei permitia a isenção da contribuição previdenciária limitada ao duplo teto do benefício do RGPS. Mas, após a Reforma da Previdência, essa isenção foi reduzida, e a limitação agora é até o teto do RGPS.
A Diretoria Jurídica moveu ação requerendo ao Judiciário a inconstitucionalidade da norma, tendo em vista que a isenção é cláusula pétrea e não pode ser revogada. Como pedido liminar, o Sindifisco requereu que a administração devolva o excesso dos valores cobrados nos primeiros três meses de vigência da EC 103/2019, em observância ao princípio da noventena (cobrança do imposto majorado após 90 dias da lei que o instituiu).
O processo em questão foi distribuído para análise do Juízo da 4ª Vara Federal de Brasília, que, em análise da liminar, indeferiu o pedido de suspensão da obrigatoriedade dos servidores de contribuírem ao sistema previdenciário próprio, mantendo a isenção parcial antes garantida pelo revogado § 21, do artigo 40, da Constituição Federal.
Todas as ações do Sindifisco aguardam decisão de mérito. Nenhum pedido liminar foi deferido.