
Por Wlademir Moreira
Para se corrigir uma situação de déficit orçamentário, seja de um simples indivíduo, seja de um ente público da dimensão da União Federal, só existe uma fórmula: a) aumento da receita; b) redução da despesa ou c) combinação das duas primeiras opções.
Na Reforma da Previdência aprovada, optou-se pela opção c), ou seja, redução da despesa e aumento da receita previdenciárias. Já a Reforma Administrativa tem por objetivo, essencialmente, a redução de despesa de custeio da Administração Pública Federal. Na Reforma Tributária ideal vislumbram-se quatro objetivos básicos: a) criação de recursos para financiamento do setor público (aumento da arrecadação tributária); b) redução do número de tributos; c) simplificação do sistema tributário, dirigida principalmente ao setor privado e d) redução do percentual da carga tributária, em relação ao PIB.
A questão que se coloca é como seria possível alcançar, simultaneamente, esses quatro objetivos. Como seria possível compatibilizar o objetivo de aumentar a arrecadação tributária com a redução da carga tributária, dois objetivos aparentemente incompatíveis.
Constitui um lamentável equívoco imaginar-se que o problema da criação de recursos para financiamento do setor público possa ser resolvido de maneira simplista como, por exemplo, foi a instituição da CPMF. A questão é estrutural e, necessariamente, deve ser tratada no âmbito das reformas constitucionais, inclusive com a redefinição do sistema tributário e do modelo de distribuição de receitas e encargos entre a União, os Estados e os Municípios.
Por outro lado, não levando em conta os efeitos decorrentes da pandemia do covid-19, é absolutamente certo que a crise fiscal por que atravessa o país é, basicamente, produto do modelo tributário e de distribuição de receitas instituído pela Constituição de 88 e da má gestão desses recursos pelos entes da federação. Em assim sendo, ela se tornará cada vez mais aguda, enquanto não se alterar o modelo, em relação à receita e se tornar efetiva a Reforma Administrativa, no tocante ao custeio da administração pública.
Uma vez superado satisfatoriamente o imbróglio que se tornou a aprovação da Reforma da Previdência, será preciso encontrar uma fórmula que viabilize alcançar os objetivos anteriormente elencados, via Reforma Tributária, esta sim, a Reforma-mater.
A Reforma Tributária vem sendo debatida desde logo após a promulgação da Constituição de 88. O ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso, ao encaminhar ao Congresso Nacional o seu projeto de reforma tributária (que não alterava o modelo tributário), em agosto de 95, declarou que só um Einsten seria capaz de encontrar uma fórmula capaz de viabilizar uma reforma tributária que promova, ao mesmo tempo, aumento da Receita, e redução da carga tributária.
Mas na verdade, não é necessária tanta genialidade. Há mais de vinte anos, o chamado “Manifesto dos Empresários”, cuja síntese foi publicada nos jornais do dia 23/05/96, já revelava os contornos dessa fórmula mágica: “A reforma deve reduzir o número e eliminar tributos cumulativos, deslocar a taxação indireta para a ponta de consumo, mantendo a capacidade de arrecadação.” Essa é, basicamente, a síntese do estudo realizado pela Fipe sobre a Reforma Tributária, conforme foi divulgado na imprensa, na época.
Mas, até aqui, nem o antigo projeto da Fipe, nem qualquer outro, quer do Congresso Nacional, quer do Poder Executivo Federal, quer de qualquer outro órgão ou entidade privada, restou aprovado pelo Congresso Nacional, apesar do clamor do empresariado e da sociedade como um todo, por sua aprovação.
Pelo que se sabe, há, pelo menos, cinco ou seis projetos de reforma tributária sendo elaborados, ou em tramitação no Congresso Nacional (PECs 110/2019 e 45/2019)¹ , cujos conteúdos e diretrizes ainda não foram plenamente divulgados para conhecimento público, com exceção o do governo federal, que cria a “Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS)”,e o elaborado pelo ex-Secretário da Receita Federal (Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque) e anunciado pelo Ministro da Economia Paulo Guedes, no ano passado. Este projeto, que cria o Imposto Único sobre Transações Financeiras(IUT), é assim definido por seu autor: “A proposta de implementação do IUT é simples: sobre as transações monetárias efetuadas no sistema bancário, incidirá urna alíquota de 2%, dividida igualmente entre as contas correntes credora e devedora. A arrecadação será efetuada eletronicamente. Será automática e imediatamente distribuída às três esferas de governo, de acordo com critérios previamente definidos. Todos os atuais impostos serão extintos, mantendo-se apenas os que têm características extrafiscais, por serem instrumentos de regulação e de política econômica”.
O projeto do IUT foi muito mal recebido pelos membros do Congresso Nacional e pela opinião pública em geral, dada a sua aparente semelhança com a CPMF. Em editorial do dia 4 de agosto, o jornal O Globo afirma: “…Por fim, o objetivo implícito, apesar de Bolsonaro afirmar o contrário, é ampliar a arrecadação num momento de crise fiscal. É uma incógnita a compensação que será ofertada. Desonerar a folha de pagamentos é uma ideia boa para incentivar a geração de empregos, mas não há evidência de que reequilibre a balança tributária em favor da sociedade. O mais provável é que uma nova CPMF acabe por aumentar a carga. A decisão final caberá ao Congresso, onde qualquer proposta de recriá-la enfrentará de novo enorme resistência — e onde, das reformas para conter a expansão de gastos públicos, ninguém fala.”
Esse projeto tem como virtude alcançar dois dos objetivos da sonhada Reforma Tributária: a) a unificação de quase todos os tributos em um único e b) simplificação do sistema de tributário. O Ministro da Economia anunciou a intenção de apresentar, ainda neste semestre, o Imposto Único sobre Transações Financeiras(IUT), não obstante a quase certeza de sua não aprovação pelo Congresso Nacional.
Mais recentemente, o Poder Executivo Federal encaminhou ao Congresso Nacional um projeto de lei propondo a criação do que foi chamado de “Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS)”, com o objetivo de fundir em um único tributo, o PIS e a COFINS. Além da finalidade de simplificação, resultado da redução do número de tributos, não se sabe bem qual seria o real objetivo desse novo tributo. Tal como aconteceu com o IUT, a CBS está sendo vista como uma forma camuflada de aumento da carga tributária. Curiosamente, assim como os demais projetos de Reforma Tributária até agora conhecidos, a CBS adotaria a sistemática do “valor agregado” (IVA), sistemática essa, idêntica ao do ICMS e do IPI, que na experiência brasileira, nada simplifica, mas ao contrário, como será visto adiante, complica e muito.
A proposta completa do Governo, segundo recentes declarações à imprensa do Assessor Especial do Ministério da Economia (30/07/20) abrangerá quatro partes. A primeira é a que cria a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), que trata da unificação do PIS e da Cofins, já encaminhada ao Congresso Nacional; a segunda cuidará de uma simplificação do IPI; a terceira trará mudanças no Imposto de Renda e a quarta visará à desoneração da folha de salários, com a criação do Imposto Único sobre Transações Financeiras (IUT).
Em relação à segunda parte (simplificação do IPI), o Governo ainda não divulgou, nem em linhas gerais, de que forma ela vai acontecer. Já no que diz respeito à terceira parte (mudanças no Imposto de Renda e na tributação de dividendos), segundo recentes declarações à imprensa do Assessor Especial do Ministério da Economia (30/07/20), as mudanças que o governo pretende propor no Imposto de Renda seriam as seguintes:
a) Aumento da faixa de isenção dos atuais R$ 1.903,99 por mês para cerca de R$ 3.000,00;
b) Redução nas deduções (atualmente há deduções por despesas médicas, por dependentes e por despesas educacionais);
c) Diminuição da alíquota de 27,5%, atualmente a mais alta;
d) Criação de uma alíquota maior para os mais ricos; e
e) Cobrança de imposto sobre a distribuição de lucros e dividendos para as pessoas físicas.
Finalmente, a quarta parte, seria a criação do Imposto Único sobre Transações Financeiras (IUT), projeto elaborado pelo ex-Secretário da Receita Federal (Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque) já analisado anteriormente. O projeto do IUT, como foi dito anteriormente, parece guardar muita semelhança com a antiga CPMF.
Assim, além do projeto do IUT, da CBS e das duas partes restantes do projeto do Governo Federal, e daqueles em tramitação no Congresso Nacional (PECs 110/2019 e 45/2019), há propostas menos abrangentes, no sentido de aumentar a arrecadação tributária, como, por exemplo, a que vem sendo defendida pelo SINDIFISCO(Sindicato dos Auditores Fiscais da Receita Federal): A taxação de grandes fortunas, e a elevação temporária na Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) e na Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) das instituições financeiras, com a finalidade específica de se contrapor aos danos que vem sendo causados à economia pela Covid-19.
Ao que parece, nenhum desses projetos de Reforma Tributária anteriormente mencionados contém a “fórmula”, de que, segundo Fernando Henrique Cardoso, só Einstein seria capaz de encontrar, ou seja, uma Reforma que promovesse, ao mesmo tempo, aumento da receita, e redução da carga tributária. Tudo indica que isto ocorre porque nenhum desses projetos está focado na verdadeira causa do estrangulamento do sistema tributário.
Os projetos até aqui anunciados, pelo que deles se conhece, apenas promoveriam a redução do número de tributos, a simplificação e a reformulação de alguns tributos e do sistema tributário, objetivos importantes mas não os essenciais.
No que tange ao projeto de Reforma Tributária do Governo Federal, a intenção, como expressamente afirmou o Assessor Especial do Ministério da Economia, anteriormente referido, “é que todas as mudanças tributárias tenham impacto neutro na arrecadação, ou seja, que o governo não perca recursos, e que também não haja uma elevação da carga tributária – considerada elevada para países em desenvolvimento.”.
Com certeza, esses não são os objetivos fundamentais da tão sonhada e reclamada Reforma Tributária. Repita-se que a Reforma Tributária por todos almejada é aquela que promova, ao mesmo tempo, aumento da receita, e redução da carga tributária, por mais impossível que isso possa parecer. Para se alcançar esses objetivos, é preciso corrigir o foco maior da inconsistência e irracionalidade do atual sistema tributário, que, sem dúvida, é o ICMS e não os tributos federais, que parecem ser o objeto do projeto de Reforma Tributária programada para ser apresentada pelo Governo federal, ainda neste semestre, bem como dos projetos em trâmite no Congresso Nacional(PEC 110/2019 e PEC 45/2019). Isto não implica dizer que não seja necessária e importante a reciclagem dos tributos federais, a simplificação e a redução do número deles, pois esses são, também, objetivos a serem alcançados pela Reforma Tributária. Vejamos, então, por que é o ICMS ² o foco da inconsistência e irracionalidade do atual sistema tributário, e, consequentemente, a causa do desarranjo fiscal que assola todos os entes federados.
O ICMS é, por definição constitucional, um imposto não cumulativo (C.F. Art. 155, § 2º, I). Ele adota um sistema sofisticado que, de certa forma, incorpora a mecânica do VAT ³ (value added tax) ou IVA, como é chamado nos países de língua portuguesa e espanhola. Na realidade brasileira, no entanto, esse refinado sistema provou ser um tremendo fiasco do ponto-de-vista da arrecadação tributária, bem como da racionalidade de sua arrecadação. O ICMS, assim como o IVA, é, como foi dito, não-cumulativo, ou seja, compensa-se o que for devido em cada operação com o montante das operações anteriores. Assim, tributa-se, apenas, o valor que é agregado em cada operação. Sendo cobrado sobre o valor agregado em cada operação, o ICMS está presente em, praticamente, todo o processo produtivo, desde a aquisição de matéria prima até o consumo final do produto, criando uma onerosa e complicadíssima sistemática de tributação, de apuração e de controle fiscal. E pior, facilitando a sonegação fiscal que, como veremos adiante, é a grande responsável pela caótica situação fiscal dos Estados e indiretamente, dos Municípios e da União Federal.
Neste estágio, cabe indagar qual seria a fórmula que tornaria possível alcançar, simultaneamente, os objetivos da Reforma Tributária anteriormente elencados, ou seja, a) aumentar a arrecadação tributária; b) reduzir o número de impostos; c) reduzir a carga tributária em relação ao PIB e d) simplificar o sistema tributário, objetivos aparentemente incompatíveis entre si. A resposta vai ser encontrada nas considerações a seguir postas a debate a respeito do fenômeno da SONEGAÇÃO.
O primeiro ponto a considerar já é, por si só, suficiente para se ter uma ideia da grandeza do fenômeno da SONEGAÇÃO. Estima-se que o Brasil deixou de arrecadar, no ano passado, mais de R$ 600 bilhões por causa da sonegação de impostos, enquanto que a arrecadação tributária consolidada, de todos os Estados e do Distrito Federal, em 2019, relativamente ao ICMS, não passou de R$ 509,79 bilhões (valor/globo/2020/23/02). Ou seja, o total sonegado é superior ao total arrecadado, por todos os Estados e o Distrito Federal, a título de ICMS.
Este fato não deve causar nenhuma surpresa pois qualquer um que tenha vivência no mundo dos negócios sabe que a sonegação, notadamente do ICMS, é uma prática absolutamente generalizada, fazendo parte da cultura disseminada nas atividades produtivas e comerciais.
Estudo sobre sonegação fiscal do Brasil, publicado pelo SINDICATO DOS PROCURADORES DA FAZENDA NACIONAL (SINPROFAZ), tendo por base o exercício 2018, concluiu que “…a arrecadação tributária brasileira poderia se expandir em 23,1% caso fosse possível eliminar a evasão tributária cujo indicador médio para todos os tributos apontados neste trabalho foi da ordem de 7,7% do PIB…”. O referido estudo chega a uma conclusão estarrecedora. Ele afirma o seguinte:
“…Na hipótese ainda de se extrapolar para todos os tributos a média dos indicadores de sonegação dos tributos que têm maior relevância para a arrecadação (ICMS, Imposto de Renda e Contribuições Previdenciárias) poder-se-ia estimar um indicador de sonegação de 27,5% da arrecadação (o mesmo do indicador de sonegação para o VAT em países da América Latina que foi de 27,6%). Com isso, a estimativa de sonegação seria de 9,2% do PIB. Isso representaria uma perda de arrecadação de R$ 626,8 bilhões, levando-se em conta o de PIB do ano de 2018. Tomando-se em consideração esse último indicador para a sonegação, poder-se-ia afirmar que se não houvesse evasão, o peso da carga tributária poderia ser reduzido em quase 30% e ainda manter o mesmo nível de arrecadação. Esses R$ 626,8 bilhões estimados de sonegação tributária são praticamente equivalentes a 88,2% de tudo que foi arrecadado pelos estados e municípios juntos1, estimados em R$ 710,5 bilhões para o exercício de 2018.” “…Para 2018, os tributos de VAT equivaleram a 2,3% do PIB. Seu resultado é muito influenciado pela estimativa do indicador de sonegação para o ICMS, uma vez que este tributo representa aproximadamente 80% do valor que poderia ser atribuído ao conjunto de tributos brasileiros equivalentes ao VAT.”
Assim, se levarmos em conta o estudo do SINPROFAZ, é razoável concluir que, em não havendo sonegação ou reduzindo-a a um mínimo desprezível, ou seja, ampliando-se o universo tributável na magnitude do que é sonegado, será possível aumentar a arrecadação dos Estados, dos Municípios e, indiretamente, da União Federal, diminuindo-se a carga tributária.
A saída para a reforma tributária está, pois, em encontrar um modelo de tributo substitutivo do ICMS e de outros penduricalhos periféricos. Este novo modelo de tributo, substitutivo do ICMS, deverá gerar um ganho de receita para os Estados e Municípios, e, indiretamente, para a União e, ao mesmo tempo, simplificar profundamente a sistemática de tributação e de arrecadação, sem causar aumento da carga tributária, mas, ao contrário, diminuindo-a.
Seria isso possível? A mencionada solução sugerida pela Fipe, divulgada pelo “Manifesto dos Empresários”, há mais de 20 anos, dá um indicativo de como isso pode se tornar realidade: bastaria substituir o moderno, complexo e ineficaz sistema de tributação do ICMS (valor agregado) pelo sistema de tributação direta sobre a venda de mercadorias ao consumidor final, no comércio de varejo. Provavelmente, apenas essa mudança, por si só, não produziria os efeitos desejados, a não ser que o novo sistema de tributação incidente sobre o consumo fosse formulado de tal forma que alijasse o fenômeno da sonegação tratado no estudo do SINPROFAZ anteriormente mencionado.
Esse novo sistema seria inspirado no “Sales Tax” ⁴, adotado pelos Estados norte-americanos, criando uma tributação única e exclusiva na ponta de consumo. Na prática, esse modelo de tributação funciona da seguinte maneira: tributa-se a uma alíquota determinada (10%, por exemplo) toda a venda de mercadorias efetivada ao consumidor final. No conceito de venda poderão ser incluídos algumas modalidades de serviços, hoje sujeitas ao ICMS. O imposto será encargo exclusivamente deste consumidor final. Assim, o consumidor, ao adquirir R$ 100,00 de mercadorias, pagará R$ 110,00, sendo que neste valor não estará embutido qualquer outro tributo, além dos 10% cobrados no ato da compra. O comerciante será mero agente arrecadador e, em tese, depositário dos valores cobrados dos consumidores, a título de imposto. Isto significa dizer que os produtos chegarão ao ponto de venda no comércio de varejo, sem que tenha havido a incidência de qualquer outro tributo nas diversas fases do ciclo produtivo. Para alcançar este último objetivo, seria necessário, na Reforma Tributária que está sendo anunciada pelo Governo federal, extinguir o IPI, que é um tributo federal de competência da União Federal, também baseado no valor agregado.
A implantação do Imposto sobre Vendas ao Consumo acabaria com a chamada “guerra fiscal” entre os Estados e com uma série de outras aberrações geradas pelo ICMS, como, por exemplo, a exacerbada tributação sobre a energia elétrica e sobre combustíveis, que chega a ter alíquotas de 25% e 30%, enquanto a alíquota desse tributo, variável de Estado para Estado, fica entre 17 e 18%. A alíquota do novo tributo deveria ser única, comum a todos os Estados da Federação e em percentual significativamente inferior à do ICMS. Os Municípios teriam uma participação na arrecadação desse tributo, tal qual acontece atualmente com o ICMS.
Os críticos desse imposto argumentam que ele inviabilizaria a fiscalização porque ampliaria excessivamente o universo de contribuintes. É exatamente o contrário. A tarefa de fiscalização será altamente facilitada pela redução das situações caracterizadoras do fato gerador do novo tributo, restringindo-a à venda no varejo. Por essa razão, na era da internet, será possível exercer uma fiscalização indireta, centrada na exigência de que cada ponto de venda ao consumidor tenha uma máquina emissora de cupom fiscal, diretamente conectada aos sistemas de arrecadação dos órgãos fazendários. Ou seja, a tributação e arrecadação do tributo será feita “on line”, recolhendo-se o tributo diretamente, no exato momento em que é realizada a venda ao consumidor e emitido o cupom fiscal ou a nota fiscal. Com isso, o vendedor da mercadoria deixará de ter interesse em sonegar porquanto o ônus do tributo recairá sobre o consumidor final, que saberá com exatidão, quanto de imposto estará incidindo sobre o produto que estará adquirindo.
Uma das vantagens desse sistema de tributação é exatamente a sua função inibidora da sonegação e facilitadora da fiscalização. E é na inibição da sonegação de que trata o referido estudo do SINDICATO DOS PROCURADORES DA FAZENDA NACIONAL (SINPROFAZ), que se funda o embasamento fático para a formulação do projeto de criação do novo imposto. Essa é, em síntese, a fórmula que possibilitaria viabilizar a tão almejada Reforma Tributária, que governo após governo, nunca saí do forno.
Mas como ficarão, a União Federal, com a perda de arrecadação decorrente da extinção do IPI, e os Estados e Municípios, com a atual participação na arrecadação desse tributo, determinada pelo artigo 159 da Constituição Federal?
A ampliação do universo tributário em razão da praticamente extinção da sonegação que, como foi visto, atualmente é estimada em mais de 600 bilhões de reais, gerará consequentes reflexos sobre o imposto de renda via aumento do lucro das empresas, que é substancialmente deprimido pela omissão de receita, resultante da sonegação do ICMS, uma vez que a receita das empresas é o combustível do lucro tributável das pessoas jurídicas. Deverá, também, ser implementada a alteração da legislação do imposto de renda para corrigir suas distorções, bem como para excluir renúncias tributárias inexplicáveis. Sabe-se que já há estudos desenvolvidos pela Receita Federal para alcançar esse objetivo. Segundo o SINDIFISCO(Sindicato dos Auditores Fiscais da Receita Federal): “A Receita Federal do Brasil (RFB) estimou em R$330,85 bilhões o “gasto tributário” com renúncias fiscais, apenas da União, para o ano de 2020. Esse valor representa 4,34% do Produto Interno Bruto e 21,78% das receitas administradas pela União”(in Boletim Informativo 2685 de 05/8/2020).
Por outro lado, a perda de participação dos Municípios na arrecadação do IPI poderá ser compensada com um percentual maior no produto da arrecadação do tributo a ser criado.
Essas medidas deverão compensar as perdas decorrentes da extinção do IPI, cuja arrecadação no ano passado não chegou a R$ 60 bilhões. A extinção do IPI é mais do que necessária e oportuna, pois trata-se de um tributo que se constitui, por sua natureza, num verdadeiro nonsense, pois tem sua base de incidência diretamente sobre a produção industrial, desestimulando-a ao invés de estimulá-la, como deve ser do interesse de qualquer nação civilizada.
Essa nova sistemática de tributação apresenta, entre outros, os seguintes pontos positivos:
a) desonera de tributação todo o processo produtivo, reduzindo substancialmente os custos de produção e, consequentemente, aumentando a competitividade dos produtos brasileiros em termos do comércio exterior, dando maior visibilidade na determinação do custo e do preço dos produtos;
b) identifica com clareza quem assume o ônus do tributo (o consumidor final);
c) simplifica, substancialmente, as atividades de apuração e de recolhimento do tributo;
d) reduz a burocracia estatal para a fiscalização do tributo e, consequentemente, o custo operacional da administração fazendária;
e) inibe a sonegação (o ônus do imposto é do consumidor);
f) diminui a carga tributária;e
g) aumenta a arrecadação tributária.
É certo que o imposto sobre o consumo final pode parecer um retrocesso vis-à-vis o sofisticado sistema do valor agregado adotado pela maior parte dos países do chamado primeiro mundo e pelos parceiros do Mercosul. Mas a experiência brasileira de mais de quarenta anos com o ICMS não deixa dúvidas: mais cedo ou mais tarde, esse tributo vai ter de ser substituído porque já provou ser o fato gerador da falência dos Estados. Espera-se que não seja mais tarde demais.
Como se disse no início, para se corrigir uma situação de déficit orçamentário, só existe uma fórmula: a) aumento da receita; b) redução da despesa ou c) combinação das duas primeiras opções. Admitindo-se que a última opção seja a ideal, a Reforma Tributária deverá ser aprovada, pari passu, com a Reforma Administrativa.
(*) Wlademir Moreira é Auditor-Fiscal da Receita Federal
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[1] Reforma Tributária: PEC 110/2019 e PEC 45/2019
Em ambas as proposições, a alteração do Sistema Tributário Nacional tem como principal objetivo a simplificação e a racionalização da tributação sobre a produção e a comercialização de bens e a prestação de serviços, base tributável atualmente compartilhada pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios.
Nesse sentido, ambas propõem a extinção de uma série de tributos, consolidando as bases tributáveis em dois novos impostos:
(i) um imposto sobre bens e serviços (IBS), nos moldes dos impostos sobre valor agregado cobrados na maioria dos países desenvolvidos; e
(ii) um imposto específico sobre alguns bens e serviços (Imposto Seletivo), assemelhado aos excise taxes. Reforma Tributária: Comparativo da PEC 45/2019 (Câmara) e da PEC 110/2019 – Celso de Barros Correia Neto , Fabiano da Silva Nunes, José Evande Carvalho Araujo, Murilo Rodrigues da Cunha Soares – Consultores Legislativos da Área III Direito Tributário e Tributação.
[2] O ICMS foi originalmente criado Pela E C Nº 18, de 01 de dezembro de 1965, com o nome de ICM ( Imposto sobre Circulação de Mercadorias), em substituição ao IVC (Imposto sobre Vendas e Consignações), um imposto com incidência “em cascata”, ou seja, cobrado, cumulativamente, sobre sucessivas operações de venda de uma mesma mercadoria, do produtor até o consumidor final. O ICM, diferentemente do IVC, era não cumulativo, incidindo sobre o valor agregado, isto é, o valor adicionado em cada operação de venda da mercadoria objeto da tributação. Com o advento da Constituição Federal de 1988, foram extintos os impostos especiais, de competência federal, de incidência única, (sobre combustíveis e lubrificantes líquidos e gasosos, energia elétrica e minerais do País), incorporando-os ao ICM. Já o art. 155, I, b, da C.F./88 (na redação da EC nº 3/93), inseriu no campo de incidência do ICMS, a prestação dos serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação.
[3] VAT – O imposto sobre o valor acrescentado é um imposto que incide sobre a despesa ou consumo e tributa o “valor acrescentado” das transações efetuadas pelo contribuinte. Trata-se de um imposto plurifásico, porque é liquidado em todas as fases do circuito econômico, desde o produtor ao retalhista.
[4] Sales Taxes in the United States – From Wikipedia, the free encyclopedia,Sales taxes in the United States are taxes placed on the sale or lease of goods and services in the United States. Sales tax is governed at the state level and no national general sales tax exists. Forty-five states, the District of Columbia, the territories of the Puerto Rico, and Guam impose general sales taxes that apply to the sale or lease of most goods and some services, and states also may levy selective sales taxes on the sale or lease of particular goods or services. States may grant local governments the authority to impose additional general or selective sales taxes.As of 2017, 5 states (Alaska, Delaware, Montana, New Hampshire and Oregon) do not levy a statewide sales tax.[1] California has the highest base sales tax rate, 7.25%. Including county and city sales taxes, the highest total sales tax is in Arab, Alabama, 13.50%.[2].Sales tax is calculated by multiplying the purchase price by the applicable tax rate. The seller collects it at the time of the sale. Use tax is self-assessed by a buyer who has not paid sales tax on a taxable purchase. Unlike the value added tax, a sales tax is imposed only at the retail level. In cases where items are sold at retail more than once, such as used cars, the sales tax can be charged on the same item indefinitely.The definitions of retail sales and taxable items vary among the states. Nearly all jurisdictions provide numerous categories of goods and services that are exempt from sales tax, or taxed at reduced rates. The purchase of goods for further manufacture or for resale is uniformly exempt from sales tax. Most jurisdictions exempt food sold in grocery stores, prescription medications, and many agricultural supplies.Sales taxes, including those imposed by local governments, are generally administered at the state level. States imposing sales tax either impose the tax on retail sellers, such as with Transaction Privilege Tax in Arizona,[3] or impose it on retail buyers and require sellers to collect it. In either case, the seller files returns and remits the tax to the state. In states where the tax is on the seller, it is customary for the seller to demand reimbursement from the buyer. Procedural rules vary widely. Sellers generally must collect tax from in-state purchasers unless the purchaser provides an exemption certificate. Most states allow or require electronic remittance.