Porte de arma: Auditores-Fiscais resgatam direito após dez anos de impasse jurídico

Depois de dez anos, a concessão do porte de arma irrestrito, pessoal ou institucional, para Auditores-Fiscais da Receita Federal, por prerrogativa de função, em âmbito nacional, dentro e fora de serviço, é uma realidade para a classe. No final de abril, a Receita Federal publicou a Portaria RFB nº 32, ratificando o direito que vinha sendo negado desde 2011 e que era pauta prioritária da Direção Nacional.

O tema foi assunto recorrente da atual gestão em diversas ações junto ao Executivo, ao Legislativo e à própria administração da Receita Federal, chegando a ser tratando junto a representantes da Casa Civil da Presidência da República e ao vice-presidente da República, Hamilton Mourão. Porém, durante muito tempo, o tema encontrou resistência dentro do próprio órgão de origem dos Auditores-Fiscais.

O presidente do Sindifisco Nacional, Kleber Cabral, classifica o porte de arma como uma das pautas não remuneratórias de maior importância, essencial à segurança dos Auditores. “O reconhecimento do porte de arma é estratégico, não apenas porque recupera uma prerrogativa inerente ao cargo, mas por ressaltar o papel do Auditor-Fiscal no combate aos ilícitos aduaneiros e no enfrentamento dos crimes de sonegação, lavagem de dinheiro, dentre outros, por vezes praticados por organizações criminosas de alta periculosidade”, avalia.

Entre as várias iniciativas da Direção Nacional para garantir a concessão do porte de arma, vale destacar a contratação do parecer do ex-ministro do Superior Tribunal de Justiça Gilson Dipp, que foi decisiva para alcançar esse desfecho positivo. O documento foi entregue à administração da Receita, em outubro do ano passado, durante reunião com os Auditores-Fiscais Sandro Serpa, subsecretário de Tributação e Contencioso (Sutri); Fernando Mombelli, coordenador-geral de Tributação (Cosit); e Fausto Vieira Coutinho, subsecretário de Administração Aduaneira (Suana).

O objetivo da iniciativa era sanar questionamentos feitos pelos subsecretários acerca da possibilidade de conceder porte de arma de fogo particular, em serviço ou fora dele, para Auditores-Fiscais, assim como sobre a legalidade de essa prerrogativa funcional ser disciplinada em ato normativo da própria Receita Federal.

A análise do ex-ministro do STJ atestou que o direito ao porte irrestrito para Auditores-Fiscais está previsto na Lei nº 4.502/64 e é reforçado na Lei nº 10.826/03, também conhecida como Estatuto do Desarmamento. Segundo essa norma, o porte de arma é permitido para grupos e categorias que possuem legislação própria a respeito. No caso dos Auditores, a legislação própria é a Lei nº 4.502/64. Além disso, Gilson Dipp reforçou que o Decreto nº 9.847/2019, que regulamenta o Estatuto do Desarmamento, atribui à Receita Federal a competência para disciplinar e conceder o direito aos Auditores.

Dessa forma, o parecer derrubou o questionamento feito pela Polícia Federal ao Ministério Público Federal, em 2011, sobre a competência da Receita para emitir o porte de arma de fogo de propriedade particular a Auditores-Fiscais. O questionamento acabou levando à revogação, pela administração da Receita à época, da portaria que regulamentava o assunto, dando margem a uma controvérsia jurídica que se arrastava desde então.

Como se esperava, o parecer contribuiu para dar segurança jurídica aos representantes da administração, inclusive ao Auditor-Fiscal José Barroso Tostes Neto, secretário especial da Receita Federal, que assina a portaria restabelecendo a concessão do porte de armas ao cargo.

Para a emissão do porte de arma pela Receita Federal, os Auditores-Fiscais precisam cumprir alguns requisitos, como apresentar laudo de aptidão psicológica para manuseio de arma de fogo, emitido por psicólogo credenciado pela Polícia Federal; laudo de capacidade técnica para manuseio de arma de fogo, emitido por instrutor habilitado; e certidões negativas de antecedentes criminais.

Até a publicação da nova portaria, apenas os Auditores que atuavam nas áreas de vigilância e repressão tinham direito ao porte de arma – e exclusivamente institucional.

Atentados contra Auditores

Desde que começou a fazer um histórico de situações de atentado à vida de Auditores, o Sindifisco já contabilizou 16 casos, que totalizaram oito mortes. 87% desses atentados e ameaças ocorreram fora do horário de serviço, principalmente no momento da entrada ou saída de casa.

Um dos casos mais emblemáticos foi o assassinato do Auditor-Fiscal José Antônio Sevilha, morto quando saía da casa de sua mãe, em setembro de 2005, dias antes de completar 46 anos. À época, ele chefiava a Seção de Controle Aduaneiro em Maringá e era conhecido pelo combate às fraudes em importações.

Sevilha foi morto com tiros à queima-roupa depois de ter o pneu do carro furado pelos criminosos. Indiciado como mandante, o empresário Marcos Gottlieb era dono da importadora de brinquedos Gemini, investigada pelo Auditor. Dois tribunais do júri convocados para julgar o caso foram anulados, e a marcação de um novo julgamento ainda aguarda o arrefecimento da pandemia.

“Historicamente, nunca houve maiores restrições ao porte de arma dos Auditores-Fiscais. As restrições eram feitas baseadas, a meu ver, em interpretações equivocadas da legislação, que desconsiderou a Lei nº 4.502/64”, avalia o Auditor-Fiscal Maurício Santos Silva, vinculado à Coordenação-Geral de Repressão ao Contrabando e ao Descaminho.

Maurício conhece outras histórias como a de Sevilha e considera o porte irrestrito imprescindível. “A possibilidade que cada um porte sua própria arma provê uma melhor alocação de recursos públicos e aumenta a segurança dos Auditores – e esse é o ponto principal”, defende.

Retrospecto

O Sindifisco Nacional entende que os atentados contra Auditores-Fiscais representam, em sentido mais amplo, um ataque direto ao Estado e, de forma particular, significam a destruição de muitas famílias. Por isso, vinha se empenhando para garantir o direito ao porte irrestrito para a classe.

Tão logo foi eleita, a Direção Nacional iniciou as tratativas em favor do porte de arma ainda na transição entre o governo do ex-presidente Michel Temer e o do atual presidente, Jair Bolsonaro. Em maio de 2019, o presidente do Sindifisco Nacional, Kleber Cabral, defendeu o porte em reunião com o então secretário-executivo do Ministério da Justiça, Luiz Pontel, que demonstrou surpresa com o fato de os Auditores não estarem expressamente contemplados no rol de carreiras aptas ao porte do Decreto nº 9.797/19. “Se não foram contemplados, entendo que devem ser, até porque os Auditores atuam nas regiões de fronteira”, declarou Luiz Pontel à época.

Em todas as situações, a conclusão dos interlocutores foi que o porte irrestrito para Auditores já estava definido em lei e que, portanto, caberia apenas à Receita Federal implementá-lo.

Paralelamente, a Diretoria de Assuntos Parlamentares trabalhou junto ao Legislativo para garantir o direito à autoproteção. “Entendemos que não havia necessidade de alteração legislativa para que a Receita Federal passasse a emitir o porte por prerrogativa de função para todos os colegas. Mesmo assim, buscamos a confirmação, apresentando emendas sobre o tema e trabalhando junto a deputados e senadores”, explica Marcos Assunção, diretor parlamentar.

Foram várias as tentativas de explicitar o direito, incluindo os Auditores-Fiscais no rol de autoridades citadas no parágrafo 1º, do art. 6º, do Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826/2003). O pleito foi incluído no PL nº 6.438/2019, que ainda aguarda votação. A Lei nº 11.118/2005, que alterou o Estatuto do Desarmamento, já havia incluído os Auditores no inciso X do mesmo artigo – assim, a inclusão no parágrafo 1º teria a função apenas de reforçar o comando.

O Auditor-Fiscal Leandro Goldemberg é instrutor de tiro da Receita Federal e acompanhou de perto o impasse. Ele faz parte do grupo daqueles que se sentem em risco por causa do exercício do cargo. “Já fui ameaçado, já fiz a proteção de colegas ameaçados e já dei instrução de tiro para colegas ameaçados. Estava em operação no Porto de Itaguaí quando o delegado foi ameaçado duas vezes no mesmo dia. Chegamos a escoltá-lo para casa. Também fui instrutor de tiro de um colega que foi ameaçado pela milícia do Rio de Janeiro, por causa de sua atuação no despacho aduaneiro. Amigos meus de trabalho foram alvos de tiros de contrabandistas de cigarros em Mundo Novo/MS e outros amigos de trabalho foram alvos de tiros de narcotraficantes em Santos”, conta.

Para ele, é ingenuidade acreditar que apenas quem trabalha em áreas remotas ou na fiscalização precisa do porte. “A experiência em operações nacionais e em teatros de operações diferentes me fez enxergar que nosso trabalho nos expõe a riscos independentemente de nossa localização. Apresentamos resultados brilhantes no combate ao narcotráfico, ao contrabando de cigarros e a outros ilícitos, bem como estamos cada vez mais atuantes no combate à corrupção. Esses são os exemplos mais didáticos de trabalhos que atraem o risco à integridade física. No entanto, ressalto que o risco é intrínseco às atribuições”, avalia.

Apoio fundamental

Apoiador de todas as horas das pautas dos Auditores-Fiscais, o ex-senador Major Olímpio (PSL), que faleceu em 18 de março deste ano, vítima de complicações da Covid-19, caminhou com o Sindifisco em todas as tentativas de regulamentar o porte de armas por meio de ações no Parlamento.

À época de suas intervenções em favor da classe, ele classificou como absurda a restrição do porte, assim como a dificuldade de se ajustar a legislação voltada a explicitar o direito.

“Imaginem com as fronteiras continentais, com portos e aeroportos completamente devassados, com fronteiras que distam milhares de quilômetros de qualquer ajuda ou socorro, o Auditor da Receita, devidamente identificado, promovendo autuações e recolhimento de volumes milionários contrabandeados. Logicamente, são alvos em potencial para os criminosos. É um absurdo o que o governo faz e mais absurda ainda a omissão do Congresso”, declarou em janeiro deste ano. “É um tremendo absurdo provocado por desarmamentistas que entendem que, mesmo funções primordiais e que correm risco, como os Auditores, não devam ter porte”, avaliou.

Em homenagem à memória do grande parlamentar e homem público, e como forma de agradecimento por essa e outras tantas iniciativas de apoio aos Auditores-Fiscais, o Sindifisco Nacional criou a Medalha Senador Major Olimpio, como parte do Prêmio Caesari (www.premiocaesari.org.br), para reconhecer parlamentares que, no Congresso Nacional, têm atuado na defesa de pautas que fortalecem a administração tributária e a justiça fiscal.

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