

Marialvo Laureano dos Santos Filho, Marcellus Ribeiro Alves, Mauro Ricardo Costa e Cesar Augusto Barbiero. Quatro Auditores-Fiscais que, além de uma carreira de destaque na Receita Federal, têm outro ponto convergente em suas trajetórias profissionais. Todos eles se projetaram a partir da competência técnica demonstrada no órgão para ocupar cargos de secretários em diferentes estados e municípios.
Marialvo, que ingressou na Receita em dezembro de 1993, foi convidado no início deste ano a ocupar o cargo de secretário da Receita Estadual na Paraíba, função que já desempenhara entre 2011 e 2016. Antes disso, trilhou um caminho de ativa participação nas lutas da classe. Em 1995, tornou-se presidente da Delegacia Sindical da Paraíba e no biênio seguinte ocupou o cargo de vice-presidente. Na Receita Federal, exerceu a função de chefe da fiscalização da Delegacia em João Pessoa e, posteriormente, tornou-se titular da unidade.
Para Marialvo, sua indicação a secretário estadual está diretamente ligada à sua bagagem profissional. “A formação na área tributária do Auditor tem tudo a ver com o cargo que exerço. O secretário da Receita cuida da macro política tributária do estado e precisa andar de mãos dadas com a política de desenvolvimento regional. Não sou político, estou aqui como técnico. Dá prazer servir ao estado na área que conheço bem. O Auditor-Fiscal conhece bem essa área. Apesar de serem tributos distintos, está no sangue do Auditor”, afirma.
Essa aptidão técnica também é ressaltada por Marcellus Ribeiro Alves, que desde 2015 é secretário da Fazenda do Estado do Maranhão. “Ser Auditor-Fiscal é uma escola de contínuo aprendizado. O cargo de secretário, numa administração tributária, exige também conhecimento técnico que estes anos todos me propiciaram”, explica.
O Auditor ingressou na Receita Federal em 1993 como técnico do Tesouro Nacional e, em 1997, conquistou a vaga de Auditor- Fiscal. Foi chefe da Seção de Fiscalização e da Seção de Orientação e Análise Tributária da Delegacia da Receita Federal em São Luís, onde também exerceu o cargo de delegado-adjunto. Entre os anos de 2010 e 2014, foi superintendente da Receita Federal na 3ª Região Fiscal.
Mauro Ricardo Costa, por sua vez, é Auditor-Fiscal da Receita Federal desde 1985. Já nos anos 90, começou carreira fora do Ministério da Fazenda. Ocupou diversas secretarias em estados distintos e no governo federal. Foi secretário de Administração Geral do extinto Ministério do Bem-Estar Social, no governo Itamar Franco. Ocupou a presidência da Funasa (Fundação Nacional de Saúde) e da Copasa (Companhia de Saneamento de Minas Gerais). Foi secretário de Finanças da cidade de São Paulo. Também esteve à frente da Secretaria da Fazenda dos estados de São Paulo e do Paraná, além do município de Salvador. No fim de 2018, retornou à prefeitura de São Paulo, como secretário de Governo.
Cesar Augusto Barbiero entrou para os quadros da Receita em 1993. Menos de cinco anos depois, foi alçado ao cargo de titular da unidade em Santa Maria (RS). Em seguida, assumiu a Superintendência da 7ª Região Fiscal. A partir daí, iniciou sua trajetória fora da Receita. Foi subsecretário de Gestão da Secretaria Municipal de Fazenda do Rio de Janeiro, depois secretário de Fazenda de Niterói e, atualmente, é secretário municipal de Fazenda do Rio de Janeiro.
Desafios da Classe
Apesar de estarem fora da rotina da Receita Federal, os secretários estão atentos aos desafios enfrentados pelos Auditores-Fiscais, sobretudo num cenário em que servidores de outros órgãos tentam ocupar espaços tradicionalmente reservados à classe.
Marcellus Ribeiro considera que a classe está diante de uma batalha imensa, especialmente se considerado o cenário atual de crise fiscal. “Neste contexto, mais do que antes, surge a necessidade real de garantir a autoridade do Auditor-Fiscal, como instrumento de proteção do cidadão e da sociedade. Portanto, é preciso assegurar as prerrogativas exclusivas da atividade, garantindo o exercício da autoridade de forma independente e autônoma a órgãos e setores estratégicos da Administração Tributária”, avaliou.
Para ele, é a atuação direta dos Auditores-Fiscais que dá qualidade técnica à atividade do Fisco e permite julgamentos adequados no contencioso administrativo. Marcellus destaca ainda que todas as administrações tributárias modernas fizeram ou estão fazendo a integração da Aduana aos tributos internos, como forma de garantir maior eficiência no combate ao contrabando e ao descaminho. Deste modo, qualquer mudança que preveja uma separação destas duas grandes estruturas, segundo ele, seria um irreparável retrocesso ao país.
Marialvo Laureano reitera a importância de fortalecer a Receita Federal e de garantir a participação dos Auditores-Fiscais nas decisões de política tributária. Ele entende que, para isso, devem ocupar espaços até fora do órgão. “O Auditor-Fiscal é a autoridade tributária, precisa ser respeitado, bem remunerado, ocupar seu espaço e não admitir que outras corporações, outras entidades, internas ou de fora do Ministério, ocupem esses espaços”, argumenta.
Ele defende ainda que o secretário Marcos Cintra, da Receita Federal do Brasil, mantenha firmeza na defesa da casa. “Não em prol de um corporativismo. Uma Receita Federal forte significa um retorno maior à sociedade. O trabalho independente, impessoal, imparcial e isento de qualquer interferência é um trabalho republicano em prol de toda a população”, pondera.
Cesar Augusto Barbiero defende que o foco dos Auditores deve centrar-se no exercício das atividades privativas do cargo. “Há anos, opino que devemos focar nossa estrutura de carreira nas posições mais estratégicas das funções de Estado, pois aquelas mais burocráticas desaparecerão com o passar do tempo. Nesse diapasão, o foco não seria o CARF (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais) ou alguma outra caixinha de uma determinada estrutura, que pode desaparecer em uma reforma administrativa, mas sim a competência privativa para o julgamento tributário, como legítimo representante do Estado. Algo como ocorre no Judiciário. Independentemente da estrutura, a competência para o julgamento sempre será dos magistrados”.
Por outro lado, a Aduana, na avaliação dele, é importantíssima para a Receita Federal e até hoje não tem recebido a devida atenção por parte dos administradores. Nesse quesito, Barbiero considera que o desafio seja reforçar o papel de autoridade aduaneira, já que a função é insubstituível em sua tarefa de zelar pela soberania do Estado brasileiro.
Como se pode ver, embora estejam, no momento, atuando fora da Receita Federal, os personagens desta reportagem continuam acompanhando a evolução do órgão e acreditam que a valorização do Auditor-Fiscal representa o fortalecimento de um núcleo essencial ao Estado, em qualquer de suas concepções – o núcleo da administração tributária.
Eles reforçam, com sua atuação e trajetória, a tradição da Receita Federal em formar quadros de excelência, atestando que a experiência e o conhecimento forjados dentro dos muros da instituição podem estar a serviço da sociedade em outros espaços públicos e demonstrando que a política de restringir a cessão de Auditores-Fiscais a outros órgãos da administração pública, idealizada e seguida pela gestão anterior da Receita, precisa ser rediscutida.
Reforma Tributária
A necessidade de reformulação no sistema tributário brasileiro é uma unanimidade entre os secretários. Com tanta experiência acumulada atuando como Auditores-Fiscais e como administradores tributários, todos estão acompanhando o debate acerca da Reforma Tributária, que tem avançado no Congresso Nacional por meio da PEC 293/04, aprovada em comissão especial da Câmara dos Deputados no fim do ano passado e pronta para apreciação do plenário. Simplificação, modernização e respeito ao pacto federativo são conceitos que dão a tônica das principais ideias defendidas por eles.

Marialvo Laureano
“É necessária a descentralização dos recursos. Um volume muito grande de recursos é carreado para o governo federal. É ele que fica com o cheque na mão. É necessário que esses recursos cheguem mais perto da sociedade através da divisão para os estados e para os municípios. Precisa modernizar muita coisa na área tributária. Um exemplo é a questão do ICMS. Precisa ser priorizada a tributação no destino. Hoje, com boa parte da tributação na origem, faz com que os estados que são os maiores consumidores não tenham uma arrecadação convincente. A Reforma Tributária também precisa desburocratizar, facilitar a vida do cidadão, do empresário. Temos a questão do Imposto de Renda com uma sobrecarga grande sobre a pessoa física, mas sobre a pessoa jurídica não. Um dos pontos que a reforma deveria atacar é a taxação de lucros e dividendos da pessoa jurídica”.

Marcellus Ribeiro
“O Sistema Tributário Nacional é uma construção político-social. Uma das principais questões a serem enfrentadas é o que a sociedade deseja gravar, ou seja, qual deve ser a base tributável. Infelizmente, constatamos uma elevadíssima tributação sobre o consumo e uma baixíssima imposição tributária sobre a propriedade. Um modelo assentado nestas bases – extremamente regressivo, portanto – agrava ainda mais a concentração de renda, fazendo com que as pessoas de menores rendimentos paguem, proporcionalmente, muito mais tributos do que as que têm renda elevada. (…) O maior desafio para as administrações tributárias é equilibrar a inserção das novas tecnologias nos processos de trabalho, como a inteligência artificial, com o melhor aproveitamento das competências e habilidades das pessoas que formam a organização, sem que isso gere uma disrupção tecnológica traumática”.

Mauro Ricardo Costa
“A Reforma Tributária é extremamente importante e precisa ser feita de tal modo que a gente possa reduzir custos administrativos das empresas, em especial, no cumprimento das obrigações acessórias, que demandam uma quantidade significativa de pessoas e custos consideráveis para o cumprimento das exigências feitas pelo fisco municipal, estadual ou federal. A mudança mais urgente diz respeito ao ICMS. Hoje, você tem 27 legislações de ICMS, milhares de alíquotas para os milhões de produtos vendidos e comercializados no Brasil. É extremamente difícil pra uma empresa que comercializa produtos nas diversas unidades da federação atender às exigências estabelecidas pelos 27 fiscos. Há a necessidade de uma unificação de tributos com redução da quantidade de obrigações acessórias para que o contribuinte possa pagar melhor os seus tributos”.

Cesar Augusto Barbiero
“O assunto Reforma Tributária comemora mais de duas décadas. Ao longo desse tempo, algumas mudanças pontuais foram implementadas, mas não atacaram o cerne da questão, que ao meu ver são os pontos mais importantes: a complexidade do sistema atual e a questão do pacto federativo. A proposta que tramita no Congresso se propõe a isso, mas acredito que não seja a ideal. Um dos problemas é a competência tributária distinta do ente beneficiário da arrecadação. Exemplificando: o IPVA será de competência dos estados, mas a arrecadação será revertida para os municípios. Se assim for aprovado, como resolver problemas referentes à arrecadação, se o ente não tem autonomia para legislar sobre suas receitas. Isso caminha contra o pacto federativo. Equacionar o balanço entre despesas e receitas tem ocupado a maior parte do tempo dos administradores, sem muito sucesso, exceto alguns casos isolados”.