
Em um trabalho de apuração que durou dois anos, a Receita Federal desbaratou um esquema de sonegação fiscal que resultou em multa isolada de R$ 43 milhões e na representação penal de cinco diretores de um dos maiores bancos privados do país, com sede no Rio Grande do Sul.
A investigação, realizada no interior do Rio Grande do Sul, foi conduzida pelo Auditor-Fiscal Rafael Lauenstein, e teve como ponto de partida a negligência da instituição financeira em atender Requisições de Movimentação Financeira (RMF). Em sete procedimentos fiscais de seis diferentes sujeitos passivos, o banco, quando requisitado pelas autoridades fiscais a prestar informações, deu respostas imprecisas e incompletas, causando embaraços às fiscalizações.
Diante da gravidade dos fatos, foram aplicadas à instituição, cujo nome foi preservado em respeito ao sigilo fiscal, dois autos de infração, um de R$42,5 milhões e outro de R$ 500 mil.
Segundo o Auditor-Fiscal, as RMFs tinham como alvo clientes que movimentaram vultosa quantidade de recursos em algumas das agências do banco. “Durante o procedimento fiscal aberto para lavratura das multas, verificou-se que a instituição, de forma deliberada, atrasava suas respostas, apresentando-as incompletas, e não raro com erros, como forma de desestimular a autoridade tributária a executar seu trabalho. O tempo médio de atraso, calculado com base em 20 diferentes RMFs e posteriores reintimações, foi de 45 dias, depois de passados os 20 dias iniciais do prazo regulamentar”, descreve o responsável pela investigação, que integra a Equipe de Combate a Fraudes Fiscais da 10ª Região Fiscal.
Quanto aos “erros” encontrados, a apuração constatou diferenças de contas de origem e destino informadas nos extratos bancários referentes às empresas sob procedimento fiscal e apresentados pelo banco. As investigações apontaram que a origem e o destino dos recursos seriam contas da mesma agência bancária e, para que a fraude fosse efetivada, os responsáveis fizeram uso de “laranjas”, que eram protegidos pela instituição financeira.
“Não se pode, por certo, atribuir-se tal erro a informações desencontradas entre bancos. Nesse ponto, verificou-se que tais erros de origem/destino eram replicados nos extratos em papel das contas auditadas e eram causados por transações efetuadas na ‘boca do caixa’ da agência, pois os reais beneficiários sacavam dinheiro em espécie da conta de empresa em nome de ‘laranja’ e, ato contínuo, transferiam a maior parte dos recursos para contas de outras empresas participantes do esquema, todas em nome de ‘laranjas’. O intuito era ocultar nos extratos bancários em papel a origem/destino da movimentação dos capitais”, aponta a investigação.
Dados analisados pelo Auditor-Fiscal mostraram que as transações fiscais ocorreram mais de 530 vezes em dois anos na mesma agência bancária, inclusive, com transações feitas em espécie por representantes da empresa. Apesar dos valores elevados da movimentação financeira, a Receita Federal constatou que o banco privado se absteve de informá-las ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), como determinam as normas anti-lavagem de dinheiro.
Foram também constatadas diferenças entre dados do Cadastro de Clientes do Sistema Financeiro Nacional (CCS), que é mantido pelo Banco Central do Brasil (Bacen). As informações somente foram atualizadas no sistema cadastral da instituição financeira, de acordo com as investigações, após o banco ter conhecimento de que a empresa investigada se encontrava em procedimento fiscal.
A despeito de o Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ) de uma das contas destinatárias dos recursos estar com a inscrição inapta e seu sócio administrador com o CPF suspenso, o banco não procedeu ao encerramento da conta, como determinam normas bancárias contra a lavagem de dinheiro. A orientação do Banco Central é que ocorram atualizações anuais dos cadastros dos clientes pelas instituições bancárias.
“A conta estava com seu cadastro desatualizado há mais de dez anos, de modo que o real beneficiário do esquema, após ter colocado a empresa em nome de ‘laranja’, sem documentação alguma que lhe desse guarida, continuou a movimentá-la, em dezenas de milhões de reais, por mais de dois anos, sem que o banco soubesse disso”, detalha a apuração, que detectou que a conta irregular foi a segunda a mais movimentar recursos na agência durante um dos anos analisados.
De acordo com as investigações, o banco privado só apresentou as informações completas de origem e destino dos recursos que envolviam a conta suspeita após terem ocorrido inúmeras reintimações e a lavratura do primeiro auto de infração contra a instituição. Somente nesta fase da operação é que a Receita Federal chegou à constatação de que o verdadeiro proprietário da conta era o principal beneficiário do esquema fraudulento.
Em outra RMF, lavrada em 2017, a instituição bancária, quando intimada, não apresentou a identificação de boletos por ela própria emitidos. Devido à dificuldade em obter informações junto ao banco, a autoridade tributária precisou intimar 37 empresas para que apresentassem cópias desses boletos, utilizando-os como base de cálculo da infração tributária por omissão de receitas em uma das empresas objeto de RMF.
Como a apuração apontou, o esquema envolvia a utilização de conta bancária para movimentar recursos de boletos bancários fraudados. Para lastrear as transações, eram emitidas notas fiscais eletrônicas de vendas por empresas inexistentes de fato. A empresa foco da investigação, assim como os corresponsáveis tributários dos autos de infração lavrados, foram objeto de uma Ação de Medida Cautelar Fiscal, distribuída na 15ª Vara Federal de Curitiba.
Para o Auditor-Fiscal que atuou na investigação, caso houvesse disponibilidade maior de servidores, trabalhos como esse poderiam ser feitos com mais frequência. “Se tivéssemos uma equipe de apoio, mais crimes como esses poderiam ser elucidados. A falta de uma estrutura mais ampla causa dificuldades ao trabalho. Com mais suporte, poderíamos fazer muito mais”.