
Sete anos. Esse foi o tempo que vigorou a resolução da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) que submetia Auditores-Fiscais da Receita Federal à inspeção pessoal de segurança para transitar nas áreas restritas dos aeroportos de todo o Brasil.
Desde a publicação da Resolução 278, em 2013, o Sindifisco Nacional denunciava o descalabro de submeter Auditores-Fiscais em atuação nos aeroportos a procedimentos de inspeção para ingressar nas zonas primárias dos terminais. A regra simplesmente desconsiderava a precedência constitucional das autoridades tributárias e aduaneiras sobre servidores de outros setores administrativos.
Apesar de ter sido publicada em 2013, por muito tempo a resolução se manteve sobrestada por força de uma liminar obtida pelo Sindifisco Nacional. No entanto, uma decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em novembro de 2018, retirou a proteção dos Auditores-Fiscais.
A partir daí, foi necessária uma intensa articulação capitaneada pela Direção do Sindifisco Nacional, passando pela Casa Civil, Ministério da Justiça, Ministério da Economia, Ministério da Infraestrutura, Polícia Federal e a própria Receita, até que, em 29 de outubro de 2020, a Anac publicou a Resolução nº 594. A norma pôs fim à medida que impactava sobremaneira o pleno exercício das atribuições dos Auditores-Fiscais nas áreas alfandegadas, e, consequentemente, implicava prejuízos à eficiência do controle aduaneiro, bem como ao combate dos crimes transfronteiriços.
Antes mesmo de assumir a gestão, a atual Direção Nacional iniciou as tratativas para reverter a obrigatoriedade de inspeção. “Não faz nenhum sentido que o responsável pelos recintos alfandegados seja vistoriado por um terceirizado que não tem competência para a função nem vínculo com o Estado”, pondera o diretor de Defesa Profissional, Levindo Siqueira Jorge.
O diretor destaca que a inspeção incluía a verificação da utilização de armas de fogo, apesar de os Auditores terem direito ao porte. Para Levindo, a situação era ainda mais absurda tendo em vista que a resolução que instituiu a inspeção foi definida pela Comissão Nacional de Autoridades Aeroportuárias (Conaero). No colegiado, onde a Receita Federal tem assento, as decisões são tomadas em consenso. Logo, o representante da administração poderia ter evitado o ataque ao cargo. Mas não o fez. “Quem representa a Receita tem que ter noção das atribuições, da importância do órgão e não abrir mão das prerrogativas em qualquer espaço”, conclui.
Além disso, segundo consulta feita pela Receita Federal, a inspeção não encontrava correspondência em países como Japão, Itália, Rússia, Canadá, Argentina, Uruguai, França, Bélgica, Holanda e tampouco nos Estados Unidos, que endureceram as medidas de segurança depois dos atentados de “11 de setembro”.
Além de não encontrar semelhança na legislação internacional, a resolução da Anac provocava atrasos nos procedimentos de fiscalização de passageiros e bagagens, bem como na restituição de malas e encomendas, dificuldades de acesso da Divisão de Vigilância e Repressão ao Contrabando e Descaminho (Direp) para realização de operações conjuntas de rotina e restrições de circulação, entre os terminais do aeroporto, de veículos oficiais da Receita Federal, entre outros problemas.
“A grande dificuldade foi que a Anac pensava na segurança da operação aeroportuária acima de todos os outros interesses públicos. A agência, que não deveria interferir no controle aduaneiro, desconsiderou o fato de a autoridade aduaneira ter um papel relevante, o que foi duramente rechaçado pela Direção Nacional”, explicou o diretor de Assuntos Parlamentares, George Alex de Souza.
Na avaliação do diretor, a Anac ignorou inclusive o Decreto 7168/2010, que dispõe sobre o Programa Nacional de Segurança da Aviação Civil Contra Atos de Interferência Ilícita (PNAVSEC). A norma reconhece que a segurança dos aeroportos é responsabilidade da Polícia Federal e que, nos recintos alfandegados, essa responsabilidade é compartilhada com os Auditores-Fiscais, por serem as autoridades aduaneiras.
Para George, em vez de respeitar a precedência constitucional, segundo a qual todos os órgãos devem atender às demandas da autoridade aduaneira, quando necessário, a Anac quis inverter o papel e submeter todos ao que a agência considerava importante para a segurança dos voos.
Dois anos após a suspensão da liminar, foi publicada a Resolução nº 594, depois de um esforço monumental da Direção Nacional para restabelecer o primado da precedência da administração tributária. A norma dispensou “a inspeção de segurança dos agentes públicos que possuam a prerrogativa legal para portar arma de fogo em razão de ofício, portem ostensivamente a credencial aeroportuária e que necessitem circular na Área Restrita de Segurança (ARS) no exercício de suas atribuições”.
A resolução também eliminou a inspeção de veículos públicos oficiais que possuam autorização específica de trânsito interno nas ARS, bem como dos seus ocupantes, caso sejam agentes públicos dispensados da inspeção de segurança. A norma marcou a reversão de uma das maiores arbitrariedades já cometidas contra as atribuições e prerrogativas dos Auditores-Fiscais.