Ação do Sindifisco Nacional foi crucial para eliminar pacto individual de metas

De todos os obstáculos enfrentados pelos Auditores-Fiscais da Receita Federal, o Plano de Desenvolvimento Individual (PDI) certamente foi um dos mais complexos. O enfrentamento às suas aberrações demandou não apenas articulação política, mas também coragem, de toda a classe, para superar a lógica fratricida que pautou a elaboração das normas relacionadas ao tema e as tentativas de implementá-las.

Durante dois anos, a Direção Nacional conduziu uma campanha massiva para que os Auditores não assinassem o “pacto individual de metas” com suas chefias imediatas. As ilegalidades dessa pactuação foram fortemente abordadas e criticadas neste período. A adesão da classe a essa orientação da Direção Nacional – embora alguns, por medo de retaliação, tenham assinado o pacto – fortaleceu a argumentação contrária ao PDI nas negociações com a administração da Receita Federal, pavimentando uma importante vitória advinda da Portaria nº 1/2021.

No texto, a Receita Federal revogou suas Portarias 824 e 1.131 de 2018. Eliminou o “pacto individual de metas” e todos os termos que remetiam a “acordo”, “pactuação”, “compromisso” ou “negociação”. A Portaria nº 1/2021 estabeleceu, ainda, que as metas devem ser registradas no SA3 e assinadas apenas pela chefia imediata. Restabeleceu-se, portanto, a correta interpretação da Lei 13.464/17, que, ao versar sobre o tema, não pontuou qualquer necessidade de concordância.

Outra conquista, incluída na Portaria nº 1/2021, foi a supressão da possibilidade de um chefe prever metas distintas para Auditores-Fiscais no mesmo processo de trabalho, evitando, assim, perseguições e favorecimentos. As metas receberam uma padronização nacional, com critérios mais transparentes e objetivos.

Até a obtenção desses resultados, a Direção Nacional atuou, de várias formas, para sensibilizar a administração da Receita Federal a solucionar os problemas contidos nos instrumentos normativos que estabeleciam as diretrizes do PDI. Este trabalho se intensificou em 2019, com diversos encontros, como o realizado em julho daquele ano, entre o presidente do Sindifisco Nacional, Kleber Cabral, e o então secretário do órgão, Marcos Cintra.

Na ocasião, Kleber ressaltou que a Coordenação de Gestão de Pessoas da Receita Federal (Cogep) vinha adotando ações questionáveis, com objetivo claro de induzir a erro os Auditores-Fiscais e, assim, aumentar a adesão ao PDI. Uma das atitudes criticadas foi a divulgação, pela Cogep, de que era possível os chefes imediatos simplesmente não preencherem as informações no SA3, embora essa fosse uma obrigação prevista no Decreto 9.366/18.

Em junho de 2020, foi promovido um evento online para tratar do assunto. Além de reiterar a orientação para que ninguém assinasse a pactuação de metas, a Direção Nacional informou que pretendia adotar medidas judiciais e representar junto ao Tribunal de Contas da União (TCU) contra o PDI. Marcos London, diretor de estudos técnicos, reforçou, na ocasião, que o PDI impunha a mesma ferramenta de avaliação para Auditores-Fiscais, servidores de apoio e funcionários terceirizados, ignorando as particularidades entre os cargos.

A percepção predominante entre os filiados, reforçada pela Direção Nacional, era a de que os integrantes da Cogep, por estarem há muitos anos desempenhando atividade-meio, desconheciam por completo as reais necessidades dos Auditores-Fiscais.

Em outubro de 2020, após muitas críticas e cobranças da Direção Nacional, a administração da Receita Federal apresentou uma minuta de portaria já com a proposta de revogação das portarias RFB 824 e 1131. A proposta inicial da administração era reduzir os pontos atribuídos à elaboração do plano de trabalho no PDI, para fins de promoção e progressão. O Sindifisco defendeu que a elaboração de um plano de trabalho nesses moldes não poderia ser considerada quesito de pontuação, até porque a maioria dos Auditores já tinha metas nacionalmente definidas e não haveria sentido na pactuação com os chefes. “Entendemos que as metas devem ser institucionais, e não individuais”, esclareceu Marcos London, à época.

As articulações da Direção Nacional não ficaram restritas à estrutura interna da Receita Federal. Foram realizados, também, encontros com representantes da Secretaria de Gestão de Pessoas (SGP), do Ministério da Economia. Em uma dessas reuniões, em julho de 2020, com o secretário de Gestão e Desempenho de Pessoal, Wagner Lenhart, e o diretor do Departamento de Relações do Trabalho no Serviço Público, Cleber Izzo, a Direção Nacional demonstrou, entre outras incongruências, a quebra da isonomia resultante do estabelecimento de metas diferenciadas para Auditores-Fiscais de um mesmo setor, mediante a pactuação entre chefes e avaliados.

Para subsidiar os encontros com a administração da Receita Federal e a SGP, bem como os eventos, editoriais e reportagens do Sindifisco Nacional sobre o tema, a Diretoria de Estudos Técnicos elaborou pesquisas e levantamentos demonstrando as ilegalidades e inconsistências do PDI.

Os estudos contemplaram todos os normativos posteriores à Lei 13.464/17. Entre eles, o Decreto nº 9.366/18. O instrumento – apontou a Direção Nacional – jamais poderia ter sido utilizado para inovar em relação ao PDI, contrariando as diretrizes estabelecidas na Lei 13.464/17. Sua função, como em qualquer decreto presidencial em casos como esse, deveria estar restrita à regulamentação da lei.

Um parecer da Diretoria de Assuntos Jurídicos corroborou essa constatação. Ao criar uma série de exigências não previstas em lei para promoção e progressão funcional, o decreto afrontou mandamentos constitucionais, como o devido processo legislativo, a separação dos Poderes e os princípios da igualdade e impessoalidade.

O parecer pontuou também a inobservância ao princípio da eficiência – um dos pilares da administração pública – mediante a imposição de restrições infundadas ao reconhecimento de graus acadêmicos como pré-requisitos à promoção. Por exemplo, a exigência de que os cursos fossem realizados durante a permanência na classe. “Significa dizer que eventuais cursos já realizados, mesmo que compatíveis com as atribuições do cargo de Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil, sejam especializações, mestrados e eventualmente até doutorados, não serão reconhecidos”, apontou o parecer do Jurídico.

Como se viu, o trabalho da Direção Nacional envolveu diferentes abordagens e várias diretorias. Abarcou a produção de conteúdo científico, jurídico e jornalístico, em apoio às negociações e intervenções junto à administração da Receita Federal e ao Ministério da Economia. Esses esforços, que culminaram na revogação das portarias RFB 824 e 1131, retomaram os termos acordados, em 2016, na pauta não remuneratória dos Auditores-Fiscais. Situações esdrúxulas não previstas na Lei 13.464/17 nem no Decreto nº 9.366/18 caíram por terra.

Por fim, restou afastado o impedimento à progressão e à promoção de quem discordava dos critérios ilegais impostos pelas portarias regulamentadoras e da conduta equivocada de alguns Auditores-Fiscais ocupantes de função, marcando um ponto de inflexão para aqueles que ainda não atingiram o último padrão de desenvolvimento na carreira.