Ação 28,86%: Jurídico põe em prática várias estratégias para garantir direitos de egressos da SRP

Após 27 anos de expectativa, filiados egressos da Secretaria da Receita Previdenciária (SRP) comemoraram em meados deste ano a expedição de quantidade considerável de precatórios da ação dos 28,86% para quitação já em 2021. A disputa judicial iniciada em 1993 teve inúmeros obstáculos, envolvendo estratégias protelatórias adotadas pelo INSS e ausência de juiz em uma vara por um período de três anos. Agora, o trabalho desenvolvido pelo Sindifisco Nacional começa a trazer resultados aos filiados ativos, aposentados e pensionista, bem como aos herdeiros de Auditores-Fiscais exequentes dessas ações.

Paradoxalmente, a longa espera resultou em vitórias mais significativas, graças a decisões relativamente recentes do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça. Em outubro de 2019, o STF decidiu, em Recurso Extraordinário, que a correção dos precatórios judiciais deve ser calculada pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-e), em vez da Taxa Referencial (TR), menos favorável do ponto de vista da quantia a receber. Já o STJ consumou, em 2015, o entendimento, segundo o qual os 28,86% deveriam incidir também sobre a Gratificação de Estímulo à Fiscalização e Arrecadação (Gefa), e não apenas sobre o salário base. 

As decisões do STJ e do STF esvaziaram recursos e procedimentos processuais protelatórios das partes contrárias. Os principais beneficiados foram justamente aqueles que pleiteavam seus direitos nos tribunais onde os processos estavam mais atravancados: o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), com sede em Brasília, e do TRF-3, com sede em São Paulo. 

“Muitas ações do TRF-4 (Porto Alegre), por exemplo, acabaram ficando sem a Gefa, porque os processos foram julgados tão rapidamente que chegaram no STJ numa época em que o Tribunal negava a Gefa. Não posso falar que há vantagem no fato de a Justiça não ser célere, mas, às vezes, existem alguns benefícios, como a Gefa e o próprio IPCA-e. Muitas pessoas receberam com a TR em vez do IPCA-e”, esclarece a advogada Mariana Prado Garcia Velho, do escritório Mota & Advogados Associados, contratado pelo Sindifisco Nacional para representar os egressos da Previdência. “Temos cálculo em que o valor subiu de R$ 60 mil para R$ 700 mil”, acrescenta.

A morosidade da Justiça também mostrou seu lado cruel, como explica o advogado José Mota, sócio do escritório Mota & Advogados Associados: “Temos, no caso de São Paulo, mais de 400 pessoas que faleceram enquanto esperavam o resultado do processo. Ou seja: cerca de 20 a 25% dos substituídos tiveram frustrados o seu direito em vida, o que é objeto de bastante tristeza para todos nós, que sempre batalhamos para efetiva esses direitos de forma completa”, lamenta. A demora, segundo o advogado, decorre também de questões práticas, como o tamanho do processo em si. “Este era um processo físico, muito grande, que tinha cerca de dois mil volumes, ocupando uma sala no centro de São Paulo”. 

Para superar os desafios de ordem prática, os integrantes do Sindifisco Nacional não se ativeram em discutir estratégias com os advogados. Foi preciso, também, “um trabalho braçal”, lembra o ex-presidente da DS/São Paulo, Osvaldo Garcia Martins. “Tem coisas aparentemente simples, que, para o advogado, são complicadas. Por exemplo: os nomes das pessoas devem estar exatamente iguais nos precatórios e no registro na Receita Federal. Então, fizemos um levantamento detalhado de cerca de 2 mil nomes, com informações como data de nascimento, se estava falecido ou não. Sem isso, não há como o processo dar certo”, conta Osvaldo. 

Adequação de cálculos

Em São Paulo, mesmo durante a interrupção dos trabalhos no Poder Judiciário por causa da pandemia de Covid-19, foi mantido contato com a Advocacia-Geral da União, que aceitou adequar os cálculos com base nos resultados dos julgamentos do STJ e do STF. Nos primeiros dias após a retomada do Judiciário, o acordo, realizado na esfera extrajudicial, foi oficializado em juízo. Os primeiros precatórios foram, então, expedidos, porém bloqueados porque o juiz responsável acionou a contadoria da Justiça Federal para fazer a verificação dos valores. A perspectiva é que, feita a verificação, os precatórios sejam desbloqueados. Para uma parcela dos exequentes de São Paulo, a expedição dos precatórios ainda esbarra em formalidades judiciais, como litispendência e cancelamento de CPF de pessoas falecidas. 

No quesito velocidade, o TRF-3 (São Paulo) fica, portanto, atrás do TRF-4 (Porto Alegre), mas muito à frente do TRF-1, considerado um símbolo da morosidade da Justiça brasileira. O TRF-1 tem sede em Brasília e julga ações do Distrito Federal, Acre, Amazonas, Amapá, Bahia, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Minas Gerais, Pará, Piauí, Rondônia, Roraima e Tocantins. Nele, estão as ações dos 28,86% dos egressos da Previdência que eram representados pelos extintos sindicatos estaduais de Minas Gerais e Bahia, além da Fenafisp. “Enquanto o TRF-3 (São Paulo) tem, em média, três mil processos por cada desembargador, o TRF-1 tem 45 mil”, explica a advogada Mariana Prado Garcia Velho.  

Para o advogado José Mota, os atrasos e a demora do TRF-1 ferem o princípio da dignidade humana. Por esse motivo, foi realizada, a pedido dele, uma audiência pública na Comissão de Direitos Humanos do Senado, específica sobre o TRF-1. Na ocasião, como revela Mariana Prado, o presidente do tribunal atribuiu os atrasos à quantidade descomunal de processos em andamento. Não à toa, um projeto de lei tramita no Congresso com o objetivo de criar o TRF-6, em Minas Gerais. A matéria foi aprovada, em regime de urgência, na Câmara dos Deputados no fim de agosto e seguiu para apreciação do Senado. 

Ações de Minas Gerais

Diante da possibilidade remota de um resultado concreto pelo rito regular no TRF-1, a principal estratégia do Sindifisco Nacional e de seus advogados é a conciliação. O ambiente, para isso, ficou mais favorável, com a publicação do Decreto 10.201/2020, que elevou os valores das conciliações que dispensam a autorização do Ministério da Economia. Foi com base nesse decreto que o Sindifisco obteve a primeira grande vitória para os egressos da Previdência em Minas Gerais. A vara responsável havia ficado três anos sem, sequer, um despacho, por ausência do magistrado titular (em função de licença médica, licença maternidade, entre outros motivos). Quando a ação coletiva de Minas Gerais foi redistribuída para uma nova vara, os advogados e o Sindifisco Nacional expuseram seus argumentos e sensibilizaram a magistrada que assumiu o caso. Ela se mostrou disposta a chegar a um entendimento.  

No caso mineiro, a AGU formalizou a proposta de 35 acordos. Deste total, 32 pessoas aceitaram e tiveram seus precatórios expedidos na reta final das inscrições para recebimento em 2021. “O número só não foi maior porque estava muito perto da data limite para inscrição do precatório. O TRF-1 não tem precatório em lote, como o TRF-3 (São Paulo). Tem que ser expedido individualmente, manualmente e quem migra é o próprio magistrado”, explica Mariana. “Ela (a magistrada) tinha um teto de 35 precatórios, até mesmo em razão de outros processos de outros assuntos. Nesses 35, foram priorizados portadores de doenças graves e pessoas com idade avançada”. 

Em Minas Gerais, será ampliada a consulta para novos acordos, tanto para a ação coletiva quanto para as 13 ações plúrimas em tramitação no TRF-1. “Todos os substituídos do processo serão consultados sobre se querem ou não aderir ao acordo. Havendo adesão, o compromisso da vara é homologar o acordo e, em seguida, expedir o precatório”, esclarece Mariana. “É importante deixar claro que o acordo é voluntário. Quem não concordar pode prosseguir no processo. Mas é importante frisar que, nesse caso, nós ainda estamos na primeira instância nos embargos à execução”, alerta a advogada. Ela prevê que, a partir da sentença, a AGU recorrerá: “O recurso é uma obrigação institucional. Eles ficam receosos em não apresentar um recurso, principalmente em ações de valores altos, com medo de responderem a um processo administrativo e, por negligência, serem exonerados. Então eles recorrem sim”.

Ações da Bahia e da ex-Fenafisp

As tentativas de acordo prosseguirão também para os casos da Bahia e da Fenafisp. Para os processos da Bahia, uma das maiores dificuldades é a volatilidade estrutural do tribunal. Os magistrados mudam constantemente de turmas e de função. “Nesses processos, em média, a gente despacha com cinco desembargadores diferentes. A gente vai lá, constrói uma relação com um desembargador e quando, finalmente, ele entende nosso processo, ocorre uma redistribuição. Aí começa tudo de novo”, conta Mariana Prado. 

Quanto às ações iniciadas pela Fenafisp, os entraves vão desde acordos administrativos em termos nada favoráveis até a declaração de prescrição do processo, após uma reclamação na Corregedoria do TRF-1 pela suposta inércia da magistrada da causa. Os advogados tentam anular os acordos administrativos e abrir caminho para conciliações em termos justos, nas esferas judicial e extrajudicial. Além do Decreto 10.201/2020, contribui para esse objetivo a crescente disposição dos magistrados em incentivar acordos. Uma tendência não só do TRF-1, mas de todo o Poder Judiciário. 

Para quem fica na dúvida sobre realizar ou não o acordo, é necessário analisar as variáveis em questão. De um lado, a incerteza sobre o desfecho pelo rito tradicional, já que o TRF-1 ainda está julgando recursos que foram interpostos em 2008 e 2009. Do outro lado, os termos das propostas por parte da AGU. “Muitos perguntam qual o deságio do acordo. Não existe um deságio único, comum a todos. Se você olhar todos os processos em que a AGU negocia, cada um tem seu deságio, que leva em conta diversos fatores como, por exemplo, o risco de a AGU ganhar ou perder e os juros que vão incidir sobre os pagamentos futuros”, finaliza a advogada Mariana Prado.

Possibilidade de Acordo

A Diretoria Jurídica tem trabalhado junto aos escritórios de advocacia contratados para que os processos cujo mérito já é matéria resolvida pelos Tribunais Regionais Federais. O Departamento Jurídico vem produzindo materiais didáticos aptos à demonstração de soluções mais ágeis ao Judiciário. O dossiê também é voltado à AGU, com a seleção de idades e valores e com esclarecimento acerca da solução da controvérsia. 

A prática de acordo é incentivada tanto pelo Judiciário quanto pelas partes. Para a AGU, o deságio é um mecanismo de cumprimento de metas de economia do governo. Para os beneficiários que aguardam há anos o recebimento dos seus créditos, o prazo é um fator relevante. Para o Judiciário, o interesse reside no desafogamento das varas e na solução rápida e eficiente dos litígios.

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